
Entre 8 e 10 de novembro de 2024 aconteceu a Conferência sobre justiça climática, vozes indígenas e plataformas Wikimedia, em Huaraz, no Peru. O evento permitiu conhecer a maneira como diversos grupos indígenas vindos de diferentes países da América Latina criaram estratégias para resistir aos problemas das mudanças climáticas.
O evento foi idealizado pelo Grupo de Trabalho Justicia climática y proyectos Wikimedia e organizado pelo coletivo Wiki Acción Peru. Foi o primeiro evento Wikimedia realizado no país.
Entre os temas discutidos, que também fazem parte da visão do coletivo WikiAcción, destacamos alguns como a importância da construção de uma wiki-comunidade diversa, a promoção da conexão com a natureza, através da memória coletiva, o respeito a todos os seres humanos e não-humanos e a procura de que o movimento Wikimedia mantenha um rol ativo na busca do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis estabelecidos pela UNESCO.
Destacamos algumas experiências e reflexões que o evento trouxe para a comunidade.
- O evento trouxe um ambiente simples, muito humanitário e amigável. A imponente vista da cordilheira dos Andes desde o avião já dava a bem-vinda da cidade. O evento introduziu algumas tradições andinas e teve momentos culturais de introdução à cultura pré-inca Chavin. Um dia antes da programação regular do evento, houve um aquecimento com atividades para aproximar os participantes do território de Ancash e das tradições locais, como trilha para o Mirante da cidade, oficina de quechua, entre outros. Um costume andino apresentado aos participantes foi a oferenda à Pachamama,. No primeiro dia, foi construído um altar andino com elementos naturais trazidos pelos participantes de suas cidades de origem. Na tradição andina, esta atividade é entendida como um ritual de agradecimento e conexão com a natureza. Outra atividade representativa da serra peruana foi o almoço do último dia do evento, a pachamanca, que é um prato tradicional peruano que consiste em carnes e vegetais coberto com folhas e cozidos em um buraco no chão, sobre pedras quentes e acobertado com terra e mais folhas. A palavra “pachamanca” significa “pote de terra” em quéchua. O programa apresentou a identidade andina e quechua através de apresentações artísticas e culturais.
- O encontro também possibilitou a discussão de vários relatos de resistência através dos aprendizados e experiências com as comunidades originárias, vindos de distintos países da América Latina, como, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e por último do Perú. Os participantes tiveram a oportunidade de entrar em contato com projetos focados em salvaguardar a cultura de povos originários e em chamar a atenção para a questão da crise climática. Tiveram vários momentos em que os relatos trouxeram momentos emotivos que evidenciaram as tensões entre o governo, a mídia, as empresas e a relação com o meio ambiente.
- O encontro também sinalizou a falta de justiça epistêmica para o conhecimento indígena. Assim como a urgência de ações que ajudem a preservar a sabedoria e o conhecimento tradicional, como a importância de incentivar atividades que auxiliem na recuperação da memória histórica. Por exemplo, um caso em específico discutido foi o trabalho em museus, e as dificuldades de representação do conhecimento usando metadados com descrições de releituras que descolonizaram a arte nesses espaços. Outro problema destacado foi a lacuna de informação de comunidades cuja primeira língua é o quechua, Mapuche ou informações de outros povos como, a cultura Tacana sobre a qual quase não é possível encontrar informação na internet. Neste contexto, foi trazida uma reflexão importante, sobre o objetivo de utilizar a Wikimedia como um meio de resistência, e como isso não deveria criar uma barreira ou exigência para adaptação dos editores indígenas a estrutura predeterminada de funcionamento da Wikimedia como obrigatoriedade de uso.
- Além disso, o encontro chamou a atenção para a urgência de incluir comunidades que foram historicamente excluídas, dado que o movimento tem como propósito a equidade do conhecimento. Foi ressaltado que não existe diversidade sempre ouvindo as mesmas vozes. É muito significativo que as comunidades escrevam a partir de uma narrativa local para fugir da visão corrente que as percebem como objeto de estudo. As suas narrativas deveriam ser divulgadas de modo a evitar preconceitos e a preservar um saber que há tanto tempo vem sendo transmitido oralmente. Assim como, eles deveriam poder esclarecer informações falsas sobre os povos indígenas. Os próprios povos indígenas precisam ter autonomia para editar suas próprias informações. Ante isso, é importante reconhecer as barreiras de comunicação, falta de habilidades digitais e conhecimento e/ou disponibilidade de infraestrutura necessária. A realidade é que muitas comunidades nativas têm pouco acesso à Internet e usualmente carecem das competências digitais para escrever as suas próprias histórias. Isso traz à tona outro problema, a existência de privilégios para poder editar. Porque algumas comunidades simplesmente não possuem tempo disponível para investigar/editar na Wikimedia devido à demanda de satisfazer necessidades básicas do dia a dia. Contudo, é importante propor estratégias para auxiliar na reversão da lógica colonial, como a gravação e compartilhamento no commons de relatos orais, que podem ser realizados através de áudios, vídeos, de cronologias de acontecimentos importantes.
- Outro assunto muito interessante foram as aprendizagens e experiências com seres não-humanos. No encontro foram apresentados vários projetos que possibilitam a construção de conhecimento da flora e fauna das localidades. Foram apresentados projetos como iNaturalist, ROA (rede de observadores de anfíbios da Argentina), e projetos para registro e posterior conservação participativa de árvores patrimoniais do Peru. Também foi apresentado o projeto OpenStreetMap que ajuda a mapear informações geográficas dos territórios.
- Outro aspecto importante foi a discussão da educação indígena. A frase “Todo território indígena é uma escola viva” da Cristiane Takúa trouxe a discussão da escolaridade não-colonial que é oferecida nas escolas indígenas onde as crianças recebem lições sobre o conhecimento de plantas, música e respeito pela natureza. As chamadas escolas vivas não seguem a mesma estrutura curricular que a maioria das escolas das cidades metropolitanas e muitas vezes não são reconhecidas nas suas peculiaridades. Entre as quais podemos mencionar, o ensino de caminhar ouvindo com muita atenção a natureza e os espíritos que moram nela (lembrando que usualmente não são escolas católicas). Também é ensinado um profundo respeito a todas as formas de vida, a procura da ampliação da consciência e os saberes e fazeres ancestrais. Essas práticas foram muitas vezes proibidas por conta da violência colonial que se adentrou nos seus espaços.
- Um outro assunto debatido foi o registro de manifestações ou atividades que documentam a perda da biodiversidade e/ou tragédias ambientais, como os causados pela exploração mineral. Muitas vezes esses incidentes acabam tendo pouca ou quase nenhuma cobertura midiática. E usualmente as respostas das autoridades são insuficientes ou muito lentas.
- Para finalizar, uma reflexão sobre a importância de ter criatividade para fazer resistência, e assim evitar ser confrontado. Principalmente, para se preservar da possibilidade de receber represálias. Um exemplo disso é a produção de arte, como o vídeo compartilhado a seguir:
O evento foi bem-sucedido em trazer vozes diversas e abordar o tema da crise climática a partir de diversas perspectivas. Desde o camponês que planta o próprio alimento até o editor wiki que atualiza um verbete sobre uma comunidade que ainda tem poucas informações sobre sua cultura. Pessoas de diferentes nacionalidades se reuniram para pensar um movimento wikimedia mais alinhado com um planeta que clama por uma relação mais harmônica com a natureza. Huaraz, a cidade cercada por cordilheiras, a branca e a negra, foi o palco perfeito para a discussão pois defrontou os participantes com essa presença natural inescapável. A chance de entrar em contato com wikimedistas da América Latina é sempre uma oportunidade de perceber as semelhanças entre os países. Muitos de nós voltamos para casa inspirados a criar novos projetos e parcerias.
Mais informações:
- Cris Takuá: escola viva e os saberes indígenas invisíveis. Entrevista a Cris Takuá. Revista Educação. Último acesso em 18/04/2024.

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