Precisamos de compromissos reais com a internet voltada para o ecossistema do conhecimento livre, em todos os fóruns de discussão

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A discussão sobre a governança da internet não é nova, mas o ano de 2024 está trazendo oportunidades para efetivamente avançarmos rumo a uma internet aberta, inclusiva, democrática e alinhada aos direitos humanos. Nos próximos meses, uma série de marcos internacionais buscam contribuir com posicionamentos para o Pacto Digital Global – que pode ser assinado pelos países-membros da ONU em setembro – e para o Fórum de Governança da Internet – que ocorrerá em dezembro. Um importante passo dessa jornada foi dado no final de abril, em São Paulo, onde representantes de mais de 60 países e diversos setores se encontraram para elaborar a nova declaração coletiva da NETmundial+10.

Este blogpost busca registrar aspectos do debate que estão sendo acompanhados de perto por nossa equipe.

Celebrando uma década da publicação do primeiro documento, a NETmundial segue reconhecida como um marco crucial para o ecossistema digital, no qual o Brasil pretende fortalecer articulações e ampliar a perspectiva das negociações para incluir posicionamentos do Sul Global. O País, inclusive, incorporou a temática da Integridade da Informação a um dos eventos paralelos do G20 nos dias 30 de abril e 1 de maio, no qual representantes da ONU, UNESCO e diversos outros atores debateram medidas para combater campanhas de desinformação online. O Wiki Movimento Brasil esteve presente com a Wikimedia Foundation nos eventos, estabelecendo diálogos e promovendo compromissos fundamentais ao ethos wikimedista, que podem inspirar e fortalecer demais projetos de interesse público, como a Wikipédia.

Segundo o diretor executivo do WMB, João Alexandre Peschanski:

Sem deixar de reconhecer a importância da construção coletiva promovida em espaços como o da NETmundial, e celebrando as possibilidades concretas de contribuição, notamos que ainda é preciso avançar no reconhecimento dos desequilíbrios de poder entre os diferentes setores; as big techs, por exemplo, em geral não são abordadas do ponto de vista do poder desproporcional que possuem em parte das negociações

De acordo com ele, também falta mais compromisso com a ideia de internet como um bem público global. Essas foram algumas das contribuições do WMB à consulta pública sobre o documento preliminar, por meio da qual a NETmundial recebeu 154 sugestões em busca de definir princípios norteadores dos processos de decisão relacionados à internet.

Confira o vídeo com entrevistas realizadas por nossa equipe durante o evento:

No primeiro dia, após a sessão de abertura mediada por Hartmut Glaser, Secretário Executivo do CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil) e com falas de dez representantes de setores como dos governos brasileiro, alemão e norte-americano, a academia, o setor técnico e a sociedade civil, aconteceu também o painel “Desafios globais para a governança do mundo digital”. Mediado por Renata Mielli, a coordenadora desta edição da NETmundial+10, o painel promoveu uma discussão abrangente sobre os desafios centrais do tema da governança.

A programação teve sequência com uma apresentação detalhada a respeito das contribuições recebidas no processo consultivo sobre o documento preliminar, no qual Bertrand de La Chapelle, co-fundador e diretor executivo do projeto Internet&Jurisdiction, mostrou uma visão abrangente sobre o índice de concordância dos contribuidores com um conjunto de afirmações e detalhou os posicionamentos trazidos na sessão de propostas. Logo depois, foram realizadas as duas primeiras sessões de trabalho, em que todos os participantes – presentes e online – podiam ter um momento de fala em um dos microfones: cada microfone era dedicado a um setor específico (representantes de sociedade civil, setor técnico, acadêmico, governamental e empresarial). Os primeiros temas foram referentes aos princípios para os processos de governança e diretrizes para implementar mecanismos multistakeholder.

No dia seguinte, o primeiro momento oportunizou espaços separados para discussões abertas entre os participantes de cada setor, em um momento auto-organizado de diálogo e troca de pontos de vista. Na sequência, a terceira sessão de trabalho buscou gerar inputs para processos já em andamento, como o Pacto Digital Global, o Fórum de Governança da Internet, entre outros. Mais duas mesas destacaram a importância de que os resultados do evento sejam implementados pela comunidade interessada, e que existam esforços de coordenação entre diferentes arenas de governança digital. Novamente, o microfone esteve aberto a contribuições da audiência.

Após os debates realizados durante dois dias, a declaração final foi lida na íntegra e celebrada pelo público presente na sessão de encerramento. A versão, que está publicada na página da NETmundial, não explicitou o compromisso com o princípio da internet como um bem público global, mas contemplou alguns dos pontos referentes ao desequilíbrio de poder:

Multilateral processes need to become more inclusive to ensure the meaningful participation of all stakeholders, especially from the Global South. Incorporating diverse voices and multiple worldviews by involving broader stakeholder input can enhance multilateral processes.

(…)

significant investments in capacity-building and education to strengthen each step of the process are vital to achieve effective contributions. It is important that such investments account for the relative power differences between and within different stakeholders and stakeholder groups.

(…)

It is, therefore, essential to foster a safe, trustworthy and fair environment where imbalances between participants are addressed, and civil society, the private sector, academia and the technical community are able to meaningfully participate in multilateral processes.

Promover mais conexão entre os debates

Outro aspecto relevante do momento atual é a importância de evitar a fragmentação nas diversas abordagens sobre o universo digital. Ainda que cada fórum ou coletivo tenha sua especificidade, é preciso garantir alinhamentos conceituais e o reforço de princípios comuns a todos eles. Ao menos, deixar claros os pontos de contato e de divergência, e tornar as discussões mais conectadas e públicas. A declaração da NETmundial+10 também revelou que este é um aspecto relevante para os múltiplos setores envolvidos:

In the spirit of the multistakeholder principles, multilateral processes should evolve. They must share the scope of their work and publish a commitment regarding transparency of the process, including but not limited to a timeline highlighting critical opportunities for participation. As part of that commitment, a regular schedule to inform about their progress – or lack thereof – must be made available, including public access to specific outputs.

(…)

Robust accountability mechanisms should be part of all multilateral processes, so that there are clear steps and deadlines for the implementation of recommendations. Concrete mechanisms for reflection about the impact of their decisions and the status of implementation of their recommendations are key for continuity. Efforts to accurately document each multilateral process should be made, including concrete steps to identify linkages with other similar processes.

No mesmo sentido, para que as contribuições apoiem discussões em âmbito local, regional e internacional, é essencial haver coerência e consistência nos posicionamentos de organizações e movimentos como o nosso. Com a profusão de encontros e fóruns, torna-se ainda mais relevante estabelecer e reforçar alguns pilares que não podem deixar de ser abordados, tanto nas discussões sobre processos – como a NETmundial – quanto em debates a respeito do conteúdo que circula na internet. Nesse sentido, foi o que o Wiki Movimento Brasil procurou fazer ao publicar o artigo “Três compromissos em defesa da internet livre, colaborativa e diversa” no portal do Le Monde Diplomatique Brasil.

Ao destacar que as medidas regulatórias sobre internet normalmente se voltam para as chamadas plataformas comerciais e, ignorando que a internet é um ambiente diverso, podem gerar consequências indesejáveis para projetos digitais livres, o artigo reforça o posicionamento: é preciso garantir regulamentações que promovam uma internet onde projetos de interesse público possam prosperar. Esses projetos incluem repositórios científicos, culturais e cartográficos, ambientes de compartilhamento de códigos, além da própria Wikipédia. Por isso, o artigo ajudou a disseminar nossos três compromissos principais propostos pelo movimento para defesa da internet livre, colaborativa e diversa, como contribuição ao Pacto Digital Global.

Nossas contribuições coletivas ao Pacto Digital Global 

Ainda em construção por meio de um processo consultivo envolvendo governos, o setor privado, a sociedade civil organizada, organizações comunitárias, academia e indivíduos, o Pacto Digital Global é a primeira tentativa da ONU para criar uma visão compartilhada sobre como devem ser governadas as tecnologias digitais. De forma similar aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o Pacto Global Digital representa um esforço internacional para garantir que as tecnologias sejam usadas de forma responsável e para o benefício de todas as pessoas, promovendo um ambiente seguro e inclusivo. Previsto para ser firmado na Cúpula do Futuro em setembro, este pacto ajudará a estruturar o futuro da cooperação e regulação digital para muitos países ao redor do mundo. 

Como visto no Diff post sobre este tema:

We want the Global Digital Compact to ensure that spaces exist in that digital future for community-led models centered on the public interest. This is especially important at a time when policymakers’ attempts to regulate the largest for-profit technology companies are increasingly resulting in unintended adverse consequences for community-led platforms like ours. The time to shape the text of the Compact is now, and Wikimedians have a unique story and experience to share

Nesse sentido, o artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil também ajuda a disseminar a contribuição coletiva do Movimento Wikimedia, tangibilizada na Carta Aberta redigida em entre editores do core group. O Wiki Movimento Brasil participou ativamente da elaboração da carta, ao lado de representantes de outras 11 afiliadas e da equipe da Wikimedia Foundation. Segundo o Diretor Executivo do WMB, João Alexandre Peschanski:

“Esta é uma resposta coletiva do nosso movimento para promover uma internet governada por princípios de abertura, inclusividade e respeito aos direitos humanos. Agora precisamos mostrar ainda mais unidade e capacidade de mobilização em defesa do caminho wiki, em um ecossistema digital em rápida mudança”

A Carta Aberta para assinaturas

Divulgada em 23 de abril, a carta segue aberta a assinaturas de todas as pessoas interessadas em contribuir com essa visão para o futuro do mundo digital de maneira a apoiar o desenvolvimento sustentável para todos, em qualquer lugar. A partir da experiência de duas décadas no desenvolvimento de sistemas abertos para criação e compartilhamento de conteúdos educacionais e fontes de informação livres, o grupo propõe que o Pacto se comprometa a:

Proteger e empoderar comunidades para a gestão colaborativa de projetos digitais de interesse público. Projetos globais para o conhecimento livre e aberto, como a Wikipédia, não deveriam ser uma exceção na internet e a comunidade internacional deve assegurar um ambiente regulatório em que comunidades possam construir e gerir seus projetos de interesse público e no qual novos espaços de troca cultural e educacional possam emergir.

Proteger e promover bens públicos digitais e repositórios livres dos quais todas as pessoas possam se beneficiar. Ambientes digitais livres dependem da consolidação do domínio público e da difusão de conteúdos abertos sob licença livre Somente assim, será mantido o direito a qualquer pessoa para acessar recursos educacionais abertos ou contribuir com projetos de código aberto, colaborando e compartilhando ideias em uma infraestrutura segura. Esses ambientes devem ser multilíngues, para que as pessoas possam aprender em sua própria língua, e fundamentar-se em práticas culturais éticas, com respeito às diferenças de visão de mundo sobre a digitalização de saberes.

Utilizar a Inteligência Artificial e Machine Learning a serviço dos direitos humanos, e não ameaçá-los. A IA pode contribuir significativamente para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por exemplo ao auxiliar as pessoas na busca e verificação de conhecimento. No entanto, é crucial que tais ferramentas sejam desenvolvidas em conformidade com padrões internacionais de direitos humanos, garantindo a participação por meio de processos transparentes e abertos, controlados pelas comunidades que elas buscam atender.

Nós do Wiki Movimento Brasil valorizamos o processo participativo em espaços como a NETmundial+10 o Summit of the Future, o World Summit on the Information Society (WSIS+20), o Internet Governance Forum, entre muitos outros, e consideramos importante aproveitar as oportunidades para contribuir, pois este é o momento para co-criar o futuro das políticas de governança da internet. Nossas recomendações pretendem fortalecer uma visão global da internet que combata a desinformação, proteja os direitos humanos e viabilize nossa missão: empoderar todas as pessoas ao redor do mundo para acessar, desenvolver e disseminar globalmente o conhecimento para todos, em qualquer lugar.

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